quinta-feira, 10 de maio de 2012

Poetas e Poemas - Cecília Meireles

Cecília Meireles

Marcha

As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebraram as formas do sono
com a ideia do movimento.

Vamos a passo e de longe;
entre nos dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de paises sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha duvida aumento.

Tambem nao pretendo nada
senao ir andando a toa,
como um numero que se arma
e em seguida se esboroa,
-- e cair no mesmo poco
de inercia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, aguas, pensamento.

Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando e' linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, 
e' tudo que tenho, 
entre o sol e o vento:
meu vestido, minha musica,
meu sonho, meu alimento.

Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
ja' me da' contentamento.

Como tudo sempre acaba,
oxala' seja bem cedo!
A esperanca que falava
tem labios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Nao ha' lagrima nem grito:
apenas consetimento. 
 
 
Canteiros - Fagner 


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